terça-feira, novembro 18, 2014

úmida de mim

onda do mar. listras. penas. florestas. serpentes enroladas no pescoço me fazem nova, sentem e se movimentam pelo calor do meu corpo. mudam minha cor, o ânimo. sempre que chegas, escreves ou surges, voa mais alto o sabiá. a vida aqui dentro do estômago tilinta o prana. espalho-me na música, vou com ela úmida de mim. úmida da fantasia que não me larga, que me chega quando menos espero. hoje o vento tem um cheiro específico. latência apurada que desassossega todas as partes de mim. vôo pra junto de ti. mergulho no virtual. já não sei mais quem eu sou, não me interessam os nomes, somente os lampejos, os raios, a imensidão de quem parte e não tem pressa de voltar. costa marinha. teus cabelos.

toada de jumento

para quê pensar tanto? arranjar problema pra se coçar, caçoar de si mesmo. criar problema para a vida só pode ser cousa de embestado que fica lastimando o que já é até outro. cabeça cheia de coisas que não existem, na maioria estas. redemoinho de agitação interna que dia destes fará a cabeça sair por aí rolando, bem bêbada, toada para jumento que fica empacado na frente da tela. cabeça que arrasta o corpo, mole, duro. sacrificado.

domingo, novembro 09, 2014

da carne livre da casa

pedalo pela plantação seca, roçada, novas safras virão, o trilho estreito no meio dela está molhado, os pneus da bici deslizam em zigue-zague, tenho que soltar o guidón o máximo possível, relaxar a fricção da mão sobre ele para que a bici não endureça e não resista à pequena trilha de barro seco. entre o asfalto e a estrada de chão eu prefiro a poeira e o cheiro de mato imanente da estradinha. vou procurando caminhos pelo trajeto, percebo muitas pedras de leito de rio na beira da estrada. seixos mesmo, elas me chamam, querem vir comigo? só depois que eu trouxer tabaco para colocar no seu lugar, oferecer às quatro direções, ao grande espírito.tirar uma pedra do seu lugar de origem é mexer no meio ambiente, é reconfigurar uma parte daquele solo, daquela costa de mato. pedalo entre pedras, eucaliptos, araucárias e vacas. penso na vida ali, no interior. avisto de longe, de cima do morro, o cemitério branco em meio à paisagem verde. o cemitério junto ao vilarejo e não apartado dele, como é de costume dos homens modernos-sem instintos-sem antepassados.o que fazemos dos nossos antepassados, enterramos naqueleterritório de túmulos, de lajes de pedra, de buracos para esconder a carne putrefada: um alimento para terra preso em um caixão de madeira, sem contato com ela (!). no entanto aqui, em Arroio do Ouro, interior da cidade onde nasci, o cemitério está bem perto do vilarejo, ele é presente no dia a dia de todos que vivem ali. chego mais perto.vou até o portão de entrada, não entro. o acesso é livre, não quis entrar sem uma pedra de quartzo rosa  na mão. fiquei um tempo ali na frente olhando a altura das estátuas, as cores dos mármores, as flores de plástico, a câmera mortuária que, semi-abandonada, guardava algumas cadeiras empilhadas e mais para o lado um pouco ainda haviam banheiro para 'ela' e 'ele' e uma placa com uma seta indicando a "galeria dos abandonados", dos sem caixão, dos sem madeira, da carne colocada direto na terra, da carne livre da casa.
dou meia volta, sigo pedalando, já é quase noite e, a trilha para a casa dos meus pais, semi impossível de ver; à noite as trilhas são para os iniciados e também para os abandonados. quero voltar com a pedra de quartzo na mão, passar um tempo ali_soltar o que está preso e que me separa da terra.
a utopia é liberada!

sexta-feira, novembro 07, 2014

material e imaterial

a vida vibra, movimenta o fluxo sanguíneo, faz pulsar o instinto, cérebro junto da coluna, da glote até o cóccix, do pé às mãos - grandes pólos de terminações também vibrantes, frequências de brilho e movimento constante, de luz e de matéria mutante irrradiante. espreito o imaterial, o que está além da visão, o que é tu vê de olhos fechados? como é que o teu corpo recebe estímulos às cegas, recebe o toque do outro, os seus ventos, as suas moléculas todas emaranhadas com as minhas, com as dos objetos, com a natureza pleníssima. o som faz vibrar, possui ondas. ondas de devires, de vir-a-ser imanente ao tempo que é agora, que está e já passou que é outro a cada respiração- espiral alquímica, dança fractal e íntima, dentro de cada corpo, novo corpo, sutil corpo que dança, que como a água se modifica, vibra impermanência, grita por mais espaço, quer expandir-se, refestelar-se, território efêmero, quântico. material e imaterial.

quinta-feira, novembro 06, 2014

ouvir pianos

desde de manhã ouço crianças falando alto com a turma da escola toda junta, toda diferente, toda maculada. depois saio rapidamente para ir ao correio, sedex, papel reciclado. reaproveitado. como um a comida que eu mesma faço, assim descongelando e botando para ferver: aipim com feijão. sim simples assim e bem sôfrego amarelado. a tarde passa ligeira entre mil tarefas a de limpar a casa: tirar o pó, passar um pano molhado em todo o piso e limpar o banheiro. entre emails, certezas e duvidas, serenidades meio socadas, meio entaladas, mas tudo assim como farofa com pipoca, tudo meio frugal só que não.... alivio por terminar a tarde e a limpeza obsessiva, vou ouvir pianos tocarem seus sobressaltos todos, aqui e acolá, assim de canto e com harmonia. encontro P. tomamos um vinho carmenère entre luzes amarelas e plantas. saímos de casa para comer algo na rua, queríamos conversar sobre tanto e cozinhar agora é desviar a atenção do vivido-despertado. jantamos juntos. ouvimos um som ainda juntos, depois não mais: cada um na sua casa: pianos. vizinhos.