segunda-feira, abril 29, 2013

Sincronário_ parar se seguir as regras do tempo...


Sobre a performance Sincronário realizada neste final de semana em Porto Alegre pelo ator/performer Vinicius Meneguzzi e pela Cia Vai de Teatro.


Foram 24horas em que o ator e performer Vinícius Meneguzzi esteve à disposição de quem fosse “visitá-lo” na Galeria La Photo no bairro Bonfim em Porto Alegre. Ele estava numa sala toda branca, sentado numa poltrona também branca em frente à televisão que, ligada durante as 24horas, mantinha-se com uma imagem de fora do ar, pixelando branco e preto. A proposta era clara: o ator se mantinha numa mesma posição, assistindo TV, até que alguém do público entrasse no espaço determinado da performance e interagisse com ele, modificando a sua postura, aparência, estado, etc...  

Na história da performance temos exemplos de performers que testaram os seus limites a partir da interação do público, um exemplo é a performer sérvia Marina Abramovic na obra Rhythm 0, na qual ela oferece 20 objetos dispostos em uma mesa dentro da galeria para que o público usasse nela, no seu prórpio corpo. Os objetos iam desde mel até uma arma de fogo carregada com uma bala. O que surge destas experiências que nos oferecem as obras de performance não são respostas, mas sim problemas e perguntas que nos forçam a pensar, a rever conceitos e problematizar a nossa própria existência. 
No caso de Sincronário da Cia Vai de Teatro, se vê o ator/performer à disposição de quem fosse interagir com ele, sem nenhuma restrição previamente estabelecida. Um homem que está vendo televisão e que não vai a lugar algum por 24horas. Um performer que tem uma ação clara: assistir uma televisão fora do ar que lhe deixava com uma expressão apática, triste e sem escolhas próprias. O público se depara com esta imagem, com este estado de quase paralisia, e pode entrar ali e modificar esta realidade, trazer elementos novos para este corpo, este homem, este performer. Não se pode ao certo reconhecer quando começa um e quando acaba outro em Vinicius Meneguzzi. As pessoas se seguiam uma a uma. Elas tiravam um retrato, contribuíam com uma quantia de dinheiro e entravam no “espaço branco habitado”. Ali se dirigiam até o ator e o modificavam. Toda a vez que alguém entrava se tornava o foco dos olhares, porque era muito interessante ver o que eram capazes de fazer as pessoas nesta situação. O ator que no convite ao público, propunha um jogo, uma interação, não se mexia, não fazia nada, somente era sincrônico com as propostas dos visitantes. Uns o tiravam para dançar, outros falavam ao seu ouvido, outros faziam massagens, outros lhe davam água para beber, outros o tiravam a roupa, outros cantavam para ele... outros falavam com ele, outros lhe faziam a higiene, traziam comidas, cobertores, picolé, mais água, cigarro, bilhete, colocavam mensagens escoradas na televisão (que era o seu foco básico). E assim ele seguia, ali, para ser manipulado de acordo com o desejo do outro, do que lhe chegava. O outro era sempre uma surpresa. Uma ilha, uma incógnita.
Curiosamente, ou nem tanto, pelo tanto de projeção que se sabe sermos capazes, o que se via eram pessoas cuidando do performer, pessoas se emocionando com ele e com a sua situação ali. O performer, ao acolher sua dor, a sua situação de alienação, abria um espaço amplo para que fosse capaz de tolerá-la. Quanto mais ele aceitava a sua realidade diante da ação que se propôs a realizar (assistir TV), mais ele ganhava um espaço possível de acontecimentos. O ator ao aceitar a sua condição de homem alienado e vivê-la no seu limite, abre espaço para o potencial que há em esgotar o possível, em preencher a situação de sentido. E, ao abrir este seu espaço para que outros pudessem entrar e o modificar, ele foi descortinando a nós todo, a vida que há na aceitação da dor, ou de qualquer outra situação. Pois dentro da dor, aspecto que escolho para exemplificar, há um vazio potente, imaterial, inominável e efêmero.
Com todas as pessoas que passaram por ali vimos uma força crescer no olhar do performer, no seu corpo. Ele ia se emocionado, chorava muito, abria espaço dentro de si. As pessoas se emocionavam muito também, se viam naquele homem? Sentiam pena de si mesmas? Acolhiam também a sua própria dor? A performance mexia com todos que por ali passsavam ou que a assistiam ao vivo pelo livestream. Todos se interessavam pelo o que poderia acontecer com o corpo do ator – ele aguentaria firme as 24 horas? Ele desmaiaria? Ele faria xixi nas calças? E o que as pessoas fariam com ele? O que estão fazendo agora?
Num determinado momento o ator falou, se comunicou com o outro que vinha ali visitá-lo. E nestes momentos, em que a emoção lhe arrebatava todo, ele não mais desviava o olhar para a TV e se entregava todo na relação com o outro, com o que não sabia onde ia dar. Ele se entregava completamente ao visitante. Não tinha mais como desvincular do vínculo que se formava ali e que rapidamente, em alguns casos, se aprofundava. Ele estava consciente da sua ação, mas com mais de 16 horas de performance  lhe saiu a fala, a comunicação não foi mais possível de evitar. Estava ali um borro total do ator/performer com o ser humano ali presente. Com o tempo da performance, com o tempo da emoção, com o tempo do encontro. Sincronário nos trouxe o pensamento para o tempo que não muda enquanto tal, embora tudo mude nele. O tempo muda nele mesmo e nós mudamos em nós mesmos, porque tudo a nossa volta muda. Como mudavam os visitantes do espaço branco habitado. Eles mudavam o performer, mudavam a realidade do performer e enquanto faziam isto se mudavam também. Se contaminavam de arte e de vida.
Tudo acabou, depois de 24 horas, e Vinicius, recuperado da exaustão ao som das palmas de uma platéia emocionadíssima com ele, destrói a televisão que lhe exauriu com a própria poltrona que sentara e nos oferece, de presente, uma elaboração de nós mesmos. Convida-nos a interagir com os nossos próprios limites a partir da imagem de outro corpo e das relações do tempo que ele produz, as quais não são perceptíveis ao olhar ordinário e cotidiano, mas sim ao olhar criador que a arte nos possibilita.
Salve Vini e a Cia Vai de Teatro! 

Nenhum comentário: