quinta-feira, dezembro 14, 2006

bendizendo os malditos

Parecia que quando eu não estava vendo tinha alguém logo atrás de mim como que me esfaqueando, metendo uma bala bem no meio da minha cabeça. Sempre por trás, sem eu ver, sem a possibilidade de defesa. Um dia de medo, de medo de estar entre as pessoas daqui, entre essa malograda sociedade capitalista. Aquele tal abutre morreu essa semana, ditador frio e de merda, aliás como todos que se dizem estar do outro lado também, do lado do bem. Será que não percebem o quanto não passam de merda e de lixo? Aqui perto da minha casa tem uma usina de reciclagem, nela o lixo é transformado em mudas de plantas. Tem um espaço lá que se chama “berçário das mudas”- é impressionante a visão! Demasiado bela para qualquer olhar moribundo desses que te enchem de medo por saber que existem. Tô com medo, hoje, de todo esse narcisismo. Dei uma bela enfraquecida nas mãos e nos pés. Quase parei de andar, de comer, de pegar e alcançar qualquer objeto. Não sei ser pela metade, não o quero! Quero poder reciclar também o que eu tenho dentro. Faço o quanto posso! Pela janela posso perceber o vento que traz a chuva. Refrescantemente, o dia cai, a noite vem, o amor padece. Canso de abater-me pelas minhas próprias pernas... canso de ser abatida toda a vez que levanto-me para sair. O abatimento é o sulco social que me engole, de uma sociedade falida, que já há muito deixou de ser de muitos. Agora é para e de poucos. Dos mais bicudos. Dos que usam sapatos com sola férrea. Machucam quando passam e dormem com apinéia. Todos podres, sem descanso! A mente toda inflamada pela quantidade de mal que fizeram somente naquele dia. O cara que vende puxa-puxa na praia, todos os dias, morador daqui desde que nasceu, nem mesmo conhece as varreduras humanas que se produz, que se apaga todos os dias. Ele acompanha o movimento do mar, enxerga cada onda e reconhece os seus marulhos, os seus desabafos! Mas olhar o mar, parar em frente dele para uma conversa breve ele nota que já não tem mais tempo! Agora tem que andar pelas ruas largas da cidade tentando encontrar compradores para o seu produto caseiro. E senão encontrar sabe que não será de uma conversa com o mar que arranjará a solução para sobreviver. Pelo menos não ele que faz puxa-puxa... talvez se também ele reciclasse a sua vida, as suas flores, diminuísse essa sensação de bala na cabeça a qualquer momento... talvez aí sim, desenvolvendo-se sustentavelmente poderíamos ele, eu, os homens de sapatos duros sair dessa merda toda, desse estado de sítio constante, de traição compactada, de amor que ama pela metade, moribundo.

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