quarta-feira, maio 10, 2006

carta um


meu bem,

Novamente te procuro em mim.Ouço tango, pois são os únicos acordes que podem preencher as minhas frestas. Do“Tango” do Saura, lembras? da música que o protagonista ouve sempre. Não tomo vinho, fumo cigarros e me acompanha uma cerveja barata, hoje. Escrevo de pé, sobre o aparador de luz branca, e imagino o apartamento vazio, a beira de deixá-lo. Deixando o meu cheiro, mas não a minha presença.
Tenho, ultimamente dormido muito fora de casa e na companhia de amigos queridos- lugares onde se pode falar e ouvir música sem marcas profundas.
Ontem estive no tal bar. Vi e reencontrei muitas pessoas, inclusive os garçons. Tomei umas várias taças do vinho da casa, que diga-se de passagem, melhorou muito... o telefone tocou. A mesa encheu. A banda começou a tocar. A tua presença, já não se entoava. Lamentei. Um brinde ao etéreo!
Na companhia de íntimos se pode falar do seu filme preferido. Foi o que mais me divertiu: narrei ele, todinho! E a sensação era de gozo social. O quê, não acreditas? Eu sempre passo por alguma situação dessas: impregno-me da ilusão de a banda nem mais estar tocando ou estar tocando muito alto.
As quedas, os aforismos... sempre são necessários para melhor capturar o sentido das palavras. Não se entende da morte, se não se acompanhar um funeral, não achas? Lembro sempre do caixão se fechando- esse foi o momento mais chocante! Mais fantasmagórico!
Como farei para te contar sobre todas as coisas que ando vivendo? São tantas as alucinações, posso parecer-te um tanto esquizóide! E não quero causar boas impressões- estou muuuito pior que isso! Estou perplexa diante de tantas ocasiões! Nem posso passar a enfileirá-las!
Estou sorrindo, você está?
O que mais têm me enjoado são as crises paranóicas dentro de casa! como diria, Anais Nïn, “não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos”. Talvez seja essa a resposta para a falta de paciência com os outros!
Ou ainda, para falar-te a verdade, eu prefiro Oscar Wilde! e creio ser essa frase dele aqui, uma continuação fatal para a de Anais: “sou a única pessoa no mundo que eu realmente queria conhecer bem”.
Hoje tive vontade de invadir a tua casa, meu bem! Somente não o fiz porque já não estás mais nessa pequena-grande cidade. Queria tirar o teu fôlego com tudo o que mais gostas! Compraria os teus chocolates preferidos, te daria uma bela companhia, cigarros, um bom vinho e muitas, muitas referências para um pequeno diagnóstico! Bem ao nosso suave gosto de jasmim!
Nesse momento o tango, aqui, tem um salto de tom e fica agudíssimo!
Outras pessoas aproximam-se e eu disfarço! Dissimulo uma overdose de sentidos, sou feliz, enfim... canto, e até mesmo beijo- saliento a idade pouca e o corpo pleno de desejos evaporando-se.
Conduzo somente vibrações ferventes, dear, bem o sabes! Dizer que não- é bobagem pouca! Dizer que não- é quase pedalar no inverno sem sentir o as mão endurecerem. Quero que não se negue mais nada a meu respeito e quero, talvez, muitas afirmações. A là Maria Schneider! Um brinde ao seu chapéu branco! Ao seu grito no banheiro! À sua pressa em escapar do amor!
Não tens a sensação que depois de um tempo tomando vinho, os teus lábios ficam mais sólidos? E, que, qualquer pessoa que beijares te sentirás excitada?
Bebi demais, meu amor! Caio de sono, de peste, de silêncio na cama de outrem. Ouço ainda algumas vozes que ficam cada vez mais e mais longínquas: Ó tu bela que veio... esses rituais de Stanley Kubrick sempre nos preteriram? I don’t think so!
Não gosto de pensar na hora de acordar! Só de vez em quando...com verdes matos cercando a cabana, clareiras e flores aquiecentes, café da manhã, e um sorriso lindo, como o teu... bem em frente aos meus olhos, ainda sonâmbulos!
Prefiro lembrar, quando eu acordar, que já nem mesmo existes. Não te posso tocar, meu amor, como faço para mudar de idéia fixa? Quem sabe a tua próxima viagem não seja para bem fora de mim?
Te amo como sempre.
Até; quando o vento me/ te trouxer...
Nina.

4 comentários:

Telma Scherer disse...

que lindo, tão íntimo e verdadeiro. emocionante. parabéns.

Anônimo disse...

senti tuas palavras... lindo, verdadeiro, belo!!
beijo-te!!

Anônimo disse...

Bel diz...

Tango, vinho e paixões... uma mistura prá lá de instensa e interessante. Os recortes do simples cotidiano, tratados de uma maneira muito peculiar e especial estão me fazendo gozos de vida. A intensidade das descrições do ambiente e da subjetividade de quem fala me lembram um pensamento recente: já não me diexo mais abater pelo orgulho e pela vaidade. A simples existência pode ser bela. É assim que seus textos estão me fazendo sentir e me dando subsídios para escolhas acertadas.

Bjs, Bel

Anônimo disse...

lindo, pessoal, intransferível e, ao mesmo tempo, universal. me orgulho de ser teu.
adorei:
"A tua presença, já não se entoava. Lamentei. Um brinde ao etéreo!"

bjo,
rodrigo scalari